domingo, dezembro 10, 2006
A Multiplicidade Shakespeare - Peter Brooke
O motivo pelo qual gosto tanto de Shakespeare é que ele não tem um ponto de vista. Ninguém pode dizer sobre uma de suas frases: "Ah, aí ouvimos a voz do autor, foi isso que ele quis dizer...", enquanto na maioria dos autores ouvimos a cada instante a voz e a autoridade do dramaturgo, que utiliza essa forma coletiva como instrumento pessoal para falar ao mundo. A maravilha de Shakespeare é que esse homem conseguiu muito rapidamente absorver todas as impressões da vida ao seu redor, incluindo o que estava distante dele, vindo de classes sociais que ele nunca havia freqüentado. E depois, no momento da escrita, que aparentemente para ele era de uma rapidez extraordinária, toda a vida era repassada, com os suportes necessários: porque é preciso ter histórias, é preciso ter personagens. E eram iluminados de uma maneira extraordinária por essa criatividade absoluta, vinda de um homem que não queria se impor para impedir que alguma coisa além dele aparecesse. Shakespeare é um fenômeno.
sexta-feira, dezembro 08, 2006
O poema - Sofia de Mello Breyner
O poema me levará no tempo
Quando eu já não for eu
E passarei sozinha
Entre as mãos de quem lê
O poema alguém o dirá
Às searas
Sua passagem se confundirá
Como rumor do mar com o passar do vento
O poema habitará
O espaço mais concreto e mais atento
No ar claro nas tardes transparentes
Suas sílabas redondas
(Ó antigas ó longas
Eternas tardes lisas)
Mesmo que eu morra o poema encontrará
Uma praia onde quebrar as suas ondas
E entre quatro paredes densas
De funda e devorada solidão
Alguém seu próprio ser confundirá
Com o poema no tempo
Livro Sexto (1962)
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