domingo, outubro 29, 2006

Análise das três Gymnopédies (Erik Satie) sobre o olhar de memória, tempo, esquecimento e duração.


O cerne da filosofia de Bergson é a intuição da duração (durée) – a representação de uma duração heterogênea e qualitativa. A duração é a consciência, onde se unem a experiência e a intuição. Em outras palavras, o tempo é a sucessão dos estados de consciência. É um processo em contínuo enriquecimento e não divisível. Onde há tempo pode haver semelhança, mas não identidade. O tempo vivido.
Na dialética da Duração, Bachelard não aceita a continuidade de Bérgson. Se o tempo é criativo, não por virtude da permanência do passado, mas através de uma decisão no sentido etimológico do termo: o termino de cada instante significa, ao mesmo tempo um novo começo. A partir de uma intenção que recortamos o que compõe nosso passado. A memória não se baseia na ordem temporal, mas constrói o tempo ao redor de um acontecimento de modo a fixá-lo no passado. Portanto o tempo é conseqüência do querer. Tempo pensado gera tempo vivido.

Para Sto. Agostinho o tempo não é apenas uma sucessão de instantes separados. É um continuo e indivisível. Vivo no presente.

Ao ouvir as três Gymnopédies se pode imaginar o um lugar sereno, improviso, solitário, à espera que cada nota lhe sugira a nota seguinte (Bachelard). A sensação de fragilidade é grande, os intervalos das notas são bastante intensos deixando que o silêncio entre eles se mostre como se o tempo não contasse. Tudo é muito calmo, quase como um sussurro que nos convida a fechar os olhos e a escutar apenas as notas a chegar uma a uma.

A cada som uma nova lembrança um novo esquecimento, fica difícil reproduzir as notas uma vez terminadas, o apagamento é continuo. Apesar das Gymnopédies serem de curta duração a sensação é justamente contrária. As três Gymnopédies são tremendamente parecidas e é necessário ouvir várias vezes para podermos diferenciar uma da outra. A segunda Gymnopédies lembra uma versão mais lenta da primeira, parece que os intervalos de silêncio aumentaram.

sexta-feira, outubro 27, 2006

Fragmento de "Altazor" de Vicente Huidobro




Sou todo homem
O homem ferido sabe-se lá por quem
Por uma flecha perdida do caos
Humano terreno desmesurado
Sim desmesurado e proclamo sem medo
Desmesurado porque não sou burguês nem raça fatigada
Sou bárbaro talvez Desmesurado enfermo
Bárbaro limpo de rotinas e caminhos marcados
Não aceito vossas selas de seguranças cômodas
Sou o anjo selvagem que caiu certa manhã
Em vossas plantações de preceitos
Poeta
Antipoeta
Culto
Anticulto
Animal metafísico carregado de tormentos
Animal espontâneo direto sangrando seus problemas
Solitário como um paradoxo Paradoxo fatal
Flor de contradições bailando um fox-trot
Sobre o sepulcro de Deus.

terça-feira, outubro 03, 2006

Espessura Temporal da Imagem: Tecnologias – Pinturas e Processos Digitais


À medida que a tecnologia progride e se dissemina, mudanças ocorrem no campo da arte. O progresso tecnológico faz emergir novos modelos de criação e de produção, refletindo a cultura e paradigmas de cada época. Por outro lado, também as criações artísticas, científicas e filosóficas fazem surgir novas possibilidades tecnológicas.

Portanto os atuais processos tecnológicos digitais de captação e de pós-produção de imagens nos impelem a avançar sobre a linguagem audiovisual com a intenção de estudar os novos parâmetros estéticos e pesquisar problemas relativos à virtualização do espaço, do tempo e do corpo.

Na produção audiovisual não é incomum unir elementos advindos dos diferentes segmentos, da ciência, da arte e da filosofia. No entanto, a intersecção entre eles permite o surgimento de novas possibilidades de atuação criativa e de atualização do trabalho artístico.

No campo das artes, trabalho essencialmente com a pintura, a fotografia e o vídeo. O foco da minha pesquisa é a imagem e suas implicações espaciais, temporais e corporais. Durante o processo de uma pintura, surgem diversas imagens que vão sobrepondo-se às anteriores, produzindo uma seqüência de apagamentos das quais resultam outras imagens. Ao observar o processo, questões relativas aos conceitos estabelecidos e cristalizados de espacialidade, temporalidade e materialidade se impõem:

¨ É possível resistir ao tempo, tornar um instante durável ou fazê-lo existir por si só?
¨ Como escapar à efemeridade das imagens?
¨ Como converter uma seqüência temporal de gestos, em imagens reversíveis do tempo sem que isso se torne um mero efeito tecnológico?
¨ Como criar uma espessura temporal a partir de movimentos, deslocamentos no espaço?
¨ Como criar uma nova dimensão temporal contando apenas com o encontro sensível entre qualidades intensivas mutáveis e um observador?
¨ Como resgatar o "tempo perdido" por meio de imagens, de sensações audiovisuais?

Fala-se aqui de um tempo proustiano. "Para sair das percepções vividas não basta evidentemente memória que convoque somente antigas percepções, nem uma memória involuntária, que acrescente a reminiscência, como fator conservante do presente. A memória intervém pouco na arte, mesmo e, sobretudo em Proust" - dizia o filósofo.

Concluindo, para o artista é premente tentar pensar, com os recursos e instrumentos propriamente artísticos, a situação contemporânea e o questionamento radical que ela comporta: a aceleração exponencial derivada da avalanche tecnológica acelerada e seu impacto sobre a "humanidade". Para tanto, a pesquisa privilegiará uma espécie de aguçamento da percepção do tempo, do espaço e da matéria.