sexta-feira, setembro 22, 2006

Aforismos de Heraclito


Alguns aforismos de um dos maiores pensadores.

Se a felicidade consistisse nos prazeres do corpo, deveríamos proclamar felizes os bois, quando encontram ervilhas para comer

Se todas as coisas se tornassem fumaça, conhecer-se-ia com as narinas.

Tudo se faz por contraste; da luta dos contrários nasce a mais bela harmonia.

Correlações: completo e incompleto, concorde e discorde, harmonia e desarmonia, e de todas as coisas, um, e de um, todas as coisas.

Para os que entram nos mesmos rios, correm outras e novas águas. Mas também almas são exaladas do úmido.
Se não tiveres esperança, não encontrarás o inesperado, pois não é encontradiço e é inacessível.

O que aguarda os homens após a morte, não é nem o que esperam nem o que imaginam.
Descemos e não descemos nos mesmos rios; somos e não somos.

O tempo é uma criança que brinca, movendo as pedras do jogo para lá e para cá; governo de criança.

A harmonia invisível é mais forte que a visível.

terça-feira, setembro 12, 2006

Entrevista sobre o Processo Criativo FAAP 2005



É formado em Engenharia Eletrônica e mestre em Ciência da Computação, nada mais “hard”. Antes de vir para São Paulo para trabalhar nesta empresa, na qual já está há mais de dez anos, Jeron, carioca, desenvolveu software básico para a Marinha e trabalhou na hoje Accenture.

Nesta época seu dia-a-dia é lidar com a gerência de sua área de dia e dedicar-se à pintura à noite e nos fins de semana. Mas a pintura para Jeron não era um hobby. É sim um trabalho.
Adora São Paulo que lhe dá oportunidades de se relacionar com pessoas muito interessantes. Seu interesse pelas artes, em geral, vem desde menino.

Perguntado sobre como vê a criatividade Jeron diz que sempre se sentiu criativo. Na Marinha a sua criatividade era estimulada pela falta de recursos, além disso quanto mais se exercita, mais criativo se fica e de uma idéia central vai brotando uma série de idéias relacionadas, como um braço de um mindmap, inesgotável até que se inicia uma nova jornada e um novo ramo do mindmap se abre.
Como exemplo Jeron cita sua atual fase onde suas raízes cipriotas têm falado alto e todo um ramo de possibilidades estão sendo exploradas a partir de sua visão de cores, um dos pontos altos de seu trabalho.

Kroma, cores em grego, tem sido o ponto de partida para um conjunto de “invenções” : relacionadas a seu trabalho a que denominou Kroma Synergia. Um exemplo é a Kroma Poética : inclusão de poemas em telas, fusão de seu trabalho com a poesia de alguns poetas parceiros como Lorenzo Madrid e Marcela Santatón. Outro é a Kroma Nature onde Jeron quer mostrar através de telas em cores e mesmas telas em preto e branco o jogo de luz e sombra e a associação disso com a interferência humana na ecologia.

E Jeron não vê diferença entre a criatividade em TI e na pintura. E me questiona: qual na diferença entre escrever um programa e um poema? Para ele, programar em C com recursividade, com uma parte de código chamando o próprio código é arte. Tecnologia é arte pura, é criatividade pura.

As pessoas associam arte com lazer, mas para Jeron arte é trabalho. O artista tem obrigações consigo, com sua arte e com os outros (Jeron atua no terceiro setor há anos e defende a contribuição da arte e dos artistas à solução dos problemas sociais brasileiros).
Tem de ter a disciplina de “pintar” todo dia, ver coisas referentes a sua arte todo dia.
Pintar é refletir.É tornar-se uma pessoa mais completa, com uma visão mais espacial, holística .

Adicionalmente cita que as pessoas desconhecem o trabalho artístico. Não imaginam quantas idas e vindas são necessárias para se conseguir “resolver” um trabalho. E aqui ele faz uma grande revelação: O conceito do “resolvido” . Resolver um trabalho artístico é muito diferente de equacionar um problema. Pode-se até iniciar uma tela por impulso, mas a partir daí o pintor cria o seu próprio problema, que ele precisa “resolver”.
Por exemplo: Jeron trabalha com cores, planos, luzes e sombras, outro artista com linhas, outro com fundos, mas sempre há um conceito por trás a que o artista é “fiel” pelo menos durante o tempo de maturação da fase que é também o tempo de maturação do artista em relação a alguma inquietação interna. Enquanto não amadurecer não enxerga a “solução”.

Jeron esclarece que criar é um processo doloroso. É dar a luz, é ter um filho.
Mas aqui também ele faz um paralelo com a tecnologia. Jeron diz que um quadro e um programa de computador nunca estão terminados. É uma construção infinita. Sempre se pode fazer mais e diferente, mas há um ponto em que pintor e programador sentem que precisam partir para o próximo. A grande diferença que ele vê entre ambos é que o programador parte de uma especificação. O pintor de uma inquietação.

Já quanto à vida de administrador e de artista Jeron diz que se casam muito bem.
Ele leva a visão espacial ampliada e holística para suas questões administrativas, bem como utiliza os conhecimentos de gestão e marketing para melhorar sua performance como artista, no que tange à comercialização do seu trabalho, que demanda muito relacionamento, planejamento e viabilização.

O problema que ele encontra é que as instituições hoje querem ser criativas mas não querem entender que a criatividade é unicidade/originalidade e que se opõe visceralmente à mediocridade e a pasteurização. O artista é um abridor de fronteiras, é um contestador. Hoje as instituições não querem quem pensa, só quem executa. As instituições medem o trabalho em horas de dedicação exclusiva e confundem quantidade com qualidade. Adicionalmente, as instituições não querem quem erra e a criatividade tem muito a ver com o erro. Errar na sua concepção é fazer para acertar.

Para criar tem que fazer, desfazer, refazer. Não existe fazer sem refazer. O criador cria na dúvida! Por isso mesmo às vezes se surpreende com o resultado do próprio trabalho: “Será que fui eu quem fez?”. Está testando limites. Outros trabalhos frustram e exigem o dispêndio de muita energia para serem “resolvidos”. E ainda assim, quando inicia um novo trabalho a certeza não está presente. Vem a dúvida de novo!

A única certeza é trazida pela experiência que começa a dar voz a uma intuição e paz interior de que seja qual for o trabalho mais dia menos dia ele também será resolvido, como diria Picasso.

Jeron considera essa dúvida importante porque sem ela o trabalho tende a cair.
Como exemplo cita alguns artistas que encontraram uma fórmula de sucesso e passam a reproduzi-la em série, “perdendo a alma” do trabalho. Tem trabalhos que satisfazem, outros não , mas sempre tem que haver o mau para se saber quando outro é bom.

O artista entende e trabalha as polaridades, assim como no filme Salomé de Carlos Saura , onde este explora o preto e o branco, o bonito e o feio, o rápido e o lento ou no poema de Clarice Lispector “Não te amo mais” onde ela explora o não na leitura de cima para baixo e o apaixonado sim na leitura de baixo para cima do mesmo poema.

Quanto às técnicas, estas existem aos montes. Van Gogh dizia: “Você quer dominar a técnica, mas depois disso o que você vai fazer com ela?”. Só podemos dar o que temos. Não há como dar alma a um quadro se não a temos. Para finalizar Jeron conclui que só é artista, em qualquer profissão, aquele que está de bem com a vida.

domingo, setembro 10, 2006

Video e Cinema sempre são documentários?


Vídeo e Cinema sempre são documentários? Em “O Olho Interminável” de Jacques Aumont, desejo ou não, o filme reproduz o que aconteceu na filmagem (Eric Rolmer: “Todo grande filme é um documentário”). Na maioria dos documentários o personagem olha para câmera, o que fornece ao espectador um sentimento de estar numa entrevista. O vídeo vem a ser um ensaio não escrito. Roteiros, simultaneidade de captação e visão são obtidos através deste novo dispositivo. Em “À quoi pensent les filmes”, de Jacques Aumont é defendida a idéia que cinema é uma forma de pensamento. Aumont nos fala de idéias, emoções e afetos através de um discurso de imagens e sons tão densos quanto o discurso de palavras. Gilles Deleuze posiciona Godard como um pensador no cinema comparando com a escrita produzida por filósofos e um dos maiores cineastas e videastas.

Interessante o posicionamento de Méliès se estava interessado no ordinario do extraordinário enquanto que Lumière o extraordinário no ordinário. Lumière considerado o último pintor impressionista.
Pintores tão importantes e diferentes quanto Poussin, Velázquez ou Chardin, trabalharam para mostrar o tremor da luz nas folhas, ou atmosfera dos fins de tarde. O Cinema vem a sistematizar tais efeitos e os cultivado por si sós, de ter erigido a luz e o ar em objetos pictóricos.
Desta forma a relação entre cinema/vídeo e a pintura está ligada às questões impalpável, irrepresentável e o fugidio. Impalpável onde a luz não pode ser tocada, é matéria visual, excelência pura, esta herança vindo de Ticiano e Velázquez. O irrepresentável um desafio à habilidade do pintor e o fugidio em que a questão do tempo vem a questionar como fixar o efêmero da pintura.

A pintura é efêmera, ela não pode rivalizar com o automatismo que faz a força da revelação fotográfica. Por isto as revelações da pintura não cairão sobre o instante mas sobre a sensação.
O quadro representa o tempo. Como esse tempo é entregue ao espectador? Ou ainda o que é o tempo de um quadro para o espectador?

sábado, setembro 02, 2006

Quero que o efêmero se eternize!


É necessário tempo para aprender a olhar. Na minha pintura além das tintas convencionais uso outros materiais como parte do meu espaço pictórico. Os mais utilizados são colas, papéis, chapa de alumínio, de cobre, latão, placas de acrílico, barbantes e fios de metal. Há um dialogo entre os materiais metal e acrílico com as propriedades reflexo, opacidade e transparência. Este dialogo coexiste num mesmo tempo e espaço .

Durante os meus processos de criação surgem alguns questionamentos .

Como olhar atentamente ? Como descobrir a sutileza dos objetos que surgem?

Como desacelerar o meu olhar? Como encontrar a pausa?

Como perpetuar tempo ?

Como observar o objeto temporário?

Observo que durante o meu pintar surge com a pintura , novos componentes paralelos à pintura que na maioria das vezes desempenham papel de coadjuvante da pintura principal, mas num determinando instante estes componentes podem adquirir o papel principal invertendo a situação. Aquilo que parecia um adjetivo vira um substantivo. Neste ponto é necessário que eu esteja com aceleração baixa ou praticamente zero. Então poderei ver novas pinturas surgindo ao meu redor. É necessário que o tempo se perpetue, se esgarce para que não só eu as veja.

Entrevista de Vera Mantero e José Gil (“Elipse – Uma Gazeta Improvável”, Lisboa, 1998")


Ora, a mais recente expressão desta urgência encontrei numa revista editada em Portugal, intitulada Elipse, cujo primeiro número tem por tema A vida pobre. Depois de afirmar que a cultura está em erosão, e também o espírito, a bailarina Vera Mantero escreve: “O espírito pode entreter-se com coisas ricas ou pode entreter-se com coisas pobres. O espírito é uma criatura muito ávida de ocupação. precisa de se ocupar constantemente. o espírito deve ser o único pedaço de nós que ficou criança e que precisa de estar sempre entretido com qualquer coisa. se dissermos a coisa assim, a palavra ‘entretenimento’ torna-se muito menos pecaminosa. enquanto me entretenho com o Glenn Gould e as suas variações Goldberg eu não morro e nada morre à minha volta. Necessitamos das artes para não morrermos. as artes falam connosco, as artes dizem-nos coisas, não se calam. não se calam, não nos deixam no silêncio, não nos deixam naquele silêncio em que se morre de tédio... vejo as artes como um resíduo, aquilo que resta de uma série de coisas que o ser humano gosta de fazer para manter o seu espírito num determinado ponto de possibilidade. talvez não só de possibilidade como de interesse. um ponto em que é possível e interessante existir.... o ser humano precisa de não estar sempre no quotidiano, precisa de sair do quotidiano e entrar noutros níveis, noutra sensação do mundo. Precisa de fazer coisas não produtivas, sair da lógica da produção, ter objectivos diferentes desses, precisa de voltar a saber que não há só um caminho entorpecedor e mecânico, que a vida é mais subtil do que isso, mais rica de redes e nós de sentidos e sensações, de linhas que se cruzam e que baralham e iluminam. é preciso reconhecer essas coisas, assinalá-las, sublinhá-las, não só através do discurso mas também com o corpo, em acções, associando sentidos e elementos, virando de vez em quando as coisas ao contrário, desorganizando e reorganizando. É preciso olear o espírito, olear o ser. é preciso também pensar com o corpo, deixar o corpo falar, pobre corpo. é preciso sair de dentro do porta-moedas e entrar na associação, no delírio, na sujidade... na acoplagem, acoplagem de elementos ao nosso corpo, acoplagem de sentidos ao nosso corpo, ou acoplagem de objectos e sentidos entre si, é preciso entrar na transformação, é preciso entrar no êxtase, na contemplação, na calma, nos sentidos do corpo, no corpo, na poesia, em visões, no espanto, no assombro, no gozo, no inconsciente, na perda, no esvaziamento, no desprendimento, na queda, é preciso tirar os sapatos, é preciso deitarmo-nos no chão, é preciso entrarmos na imaginação, nas histórias, no pensamento, nas palavras, no humor, no pensamento, nas palavras no humor, no pensamento, na relação com os outros.
Nós precisamos muito disto, precisamos muito disto tudo, e estamos a ter muito pouco disto e é por isso que, como disse no início, o espírito está em erosão, a cultura está em erosão e nós às vezes estamos muito tristes ou temos a sensação de que a vida desapareceu de cá de dentro.”
Chamo a atenção para esse ponto de possibilidade e de interesse em que um espírito deveria estar para que fosse possível e interessante existir, como diz Mantero, e que é justamente o que viver e pensar como porcos nos impede. José Gil, como que em eco aos termos empregados por Mantero, escreve em seu artigo, no mesmo número: “Aqui há tempos atingi aquele ponto central de onde descobri a verdade: que a minha vida é irremediavelmente pobre. Não há nada a fazer-lhe. Aliás, já tentei de tudo, e quanto mais me agitava para contrariar a tendência, mais me aproximava daquele ponto terrível. [...] Não que me falte alguma coisa. Vou a concertos e a exposições, leio muitos livros e revistas, tenho uma discoteca e biblioteca razoáveis, tenho amigos e relações, em suma nada me falta para ter uma bela vida. Mas criou-se uma espécie de fosso à minha volta. É invisível, mas está lá, e faz-se sentir mesmo no meio do concerto mais empolgante. O que ouço toca-me, mas é como se não me tocasse, se olho bem; o que leio fica apenas em mim, não passa de mim, e acaba por amarelecer, sem eco; o que vejo nas galerias de arte e o que lá se diz, é como se não tivessem a ver com a minha vida. E tudo o resto é assim. Há um grande buraco no meio das pessoas que lhes abafa a fala e absorve as vozes que vêm dos outros... O buraco alastra como o do ozonio. Vai comendo o céu. É como se a pouco e pouco me comesse o corpo. Noto agora que há muito tempo a vida se me empobrecia. Muitas coisas começaram a desaparecer dos meus hábitos, sem que desse por isso. Primeiro, as palavras. Algumas, para começar, depois muitas, numa torrente imensa, desapareceram do meu vocabulário... Com as palavras foram-se idéias, sensações, sentimentos. Gostava imenso de uma ária de ópera [...] Então chorava. Era a melhor maneira de me exprimir. Hoje, já nada disso acontece. É que já não preciso de me exprimir. Tudo me exprime, e muito melhor do que poderia fazê-lo. Para começar, há o Plácido Domingo, e os outros, e as vozes que porventura nascessem na garganta, seriam logo canalizadas, moldadas por esses óptimos cantores de ópera. Logo ali, no fundo da garganta, quando eu quisesse dizer a minha solidão e o abandono em que me deixou o amor, eu ouviria, tenho certeza, o fulgor e o luxo da voz de Plácido Domingo... E quem sou eu para pretender assim exprimir emoções tão fortes, mais fortes do que todas aquelas de que sou capaz? Por isso calo-me.”