terça-feira, setembro 12, 2006

Entrevista sobre o Processo Criativo FAAP 2005



É formado em Engenharia Eletrônica e mestre em Ciência da Computação, nada mais “hard”. Antes de vir para São Paulo para trabalhar nesta empresa, na qual já está há mais de dez anos, Jeron, carioca, desenvolveu software básico para a Marinha e trabalhou na hoje Accenture.

Nesta época seu dia-a-dia é lidar com a gerência de sua área de dia e dedicar-se à pintura à noite e nos fins de semana. Mas a pintura para Jeron não era um hobby. É sim um trabalho.
Adora São Paulo que lhe dá oportunidades de se relacionar com pessoas muito interessantes. Seu interesse pelas artes, em geral, vem desde menino.

Perguntado sobre como vê a criatividade Jeron diz que sempre se sentiu criativo. Na Marinha a sua criatividade era estimulada pela falta de recursos, além disso quanto mais se exercita, mais criativo se fica e de uma idéia central vai brotando uma série de idéias relacionadas, como um braço de um mindmap, inesgotável até que se inicia uma nova jornada e um novo ramo do mindmap se abre.
Como exemplo Jeron cita sua atual fase onde suas raízes cipriotas têm falado alto e todo um ramo de possibilidades estão sendo exploradas a partir de sua visão de cores, um dos pontos altos de seu trabalho.

Kroma, cores em grego, tem sido o ponto de partida para um conjunto de “invenções” : relacionadas a seu trabalho a que denominou Kroma Synergia. Um exemplo é a Kroma Poética : inclusão de poemas em telas, fusão de seu trabalho com a poesia de alguns poetas parceiros como Lorenzo Madrid e Marcela Santatón. Outro é a Kroma Nature onde Jeron quer mostrar através de telas em cores e mesmas telas em preto e branco o jogo de luz e sombra e a associação disso com a interferência humana na ecologia.

E Jeron não vê diferença entre a criatividade em TI e na pintura. E me questiona: qual na diferença entre escrever um programa e um poema? Para ele, programar em C com recursividade, com uma parte de código chamando o próprio código é arte. Tecnologia é arte pura, é criatividade pura.

As pessoas associam arte com lazer, mas para Jeron arte é trabalho. O artista tem obrigações consigo, com sua arte e com os outros (Jeron atua no terceiro setor há anos e defende a contribuição da arte e dos artistas à solução dos problemas sociais brasileiros).
Tem de ter a disciplina de “pintar” todo dia, ver coisas referentes a sua arte todo dia.
Pintar é refletir.É tornar-se uma pessoa mais completa, com uma visão mais espacial, holística .

Adicionalmente cita que as pessoas desconhecem o trabalho artístico. Não imaginam quantas idas e vindas são necessárias para se conseguir “resolver” um trabalho. E aqui ele faz uma grande revelação: O conceito do “resolvido” . Resolver um trabalho artístico é muito diferente de equacionar um problema. Pode-se até iniciar uma tela por impulso, mas a partir daí o pintor cria o seu próprio problema, que ele precisa “resolver”.
Por exemplo: Jeron trabalha com cores, planos, luzes e sombras, outro artista com linhas, outro com fundos, mas sempre há um conceito por trás a que o artista é “fiel” pelo menos durante o tempo de maturação da fase que é também o tempo de maturação do artista em relação a alguma inquietação interna. Enquanto não amadurecer não enxerga a “solução”.

Jeron esclarece que criar é um processo doloroso. É dar a luz, é ter um filho.
Mas aqui também ele faz um paralelo com a tecnologia. Jeron diz que um quadro e um programa de computador nunca estão terminados. É uma construção infinita. Sempre se pode fazer mais e diferente, mas há um ponto em que pintor e programador sentem que precisam partir para o próximo. A grande diferença que ele vê entre ambos é que o programador parte de uma especificação. O pintor de uma inquietação.

Já quanto à vida de administrador e de artista Jeron diz que se casam muito bem.
Ele leva a visão espacial ampliada e holística para suas questões administrativas, bem como utiliza os conhecimentos de gestão e marketing para melhorar sua performance como artista, no que tange à comercialização do seu trabalho, que demanda muito relacionamento, planejamento e viabilização.

O problema que ele encontra é que as instituições hoje querem ser criativas mas não querem entender que a criatividade é unicidade/originalidade e que se opõe visceralmente à mediocridade e a pasteurização. O artista é um abridor de fronteiras, é um contestador. Hoje as instituições não querem quem pensa, só quem executa. As instituições medem o trabalho em horas de dedicação exclusiva e confundem quantidade com qualidade. Adicionalmente, as instituições não querem quem erra e a criatividade tem muito a ver com o erro. Errar na sua concepção é fazer para acertar.

Para criar tem que fazer, desfazer, refazer. Não existe fazer sem refazer. O criador cria na dúvida! Por isso mesmo às vezes se surpreende com o resultado do próprio trabalho: “Será que fui eu quem fez?”. Está testando limites. Outros trabalhos frustram e exigem o dispêndio de muita energia para serem “resolvidos”. E ainda assim, quando inicia um novo trabalho a certeza não está presente. Vem a dúvida de novo!

A única certeza é trazida pela experiência que começa a dar voz a uma intuição e paz interior de que seja qual for o trabalho mais dia menos dia ele também será resolvido, como diria Picasso.

Jeron considera essa dúvida importante porque sem ela o trabalho tende a cair.
Como exemplo cita alguns artistas que encontraram uma fórmula de sucesso e passam a reproduzi-la em série, “perdendo a alma” do trabalho. Tem trabalhos que satisfazem, outros não , mas sempre tem que haver o mau para se saber quando outro é bom.

O artista entende e trabalha as polaridades, assim como no filme Salomé de Carlos Saura , onde este explora o preto e o branco, o bonito e o feio, o rápido e o lento ou no poema de Clarice Lispector “Não te amo mais” onde ela explora o não na leitura de cima para baixo e o apaixonado sim na leitura de baixo para cima do mesmo poema.

Quanto às técnicas, estas existem aos montes. Van Gogh dizia: “Você quer dominar a técnica, mas depois disso o que você vai fazer com ela?”. Só podemos dar o que temos. Não há como dar alma a um quadro se não a temos. Para finalizar Jeron conclui que só é artista, em qualquer profissão, aquele que está de bem com a vida.

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